Artistas, brincantes, gestores públicos e lideranças dos movimentos sociais da região do Cariri estão indignados com a ação truculenta de policiais que fazem parte Comando de Policiamento de Rondas de Ações Intensivas e Ostensivas (CPRaio) do Estado do Ceará, que no último sábado (21) agrediram fisicamente e verbalmente o mestre da cultura popular e sua família, Francisco Gomes Novais “Mestre Nena”, 71 anos.
Conforme boletim de ocorrência registrado pelo Mestre, a polícia agrediu com tapas na cabeça, chutes e xingamentos. Sua filha Veriana Ribeira Frutuoso também informou em B.O que foi agredida tendo recebido empurrões em seus seios. O seu filho Francieldo Ribeiro Novais foi enforcado e teve suas pernas e braços imobilizados.
De acordo com Boletim de Ocorrência, a ação policial teve início quando três composições do Raio iniciaram uma ação de busca e apreensão de armas e drogas, na residência de Alan Ribeiro Novais, filho do Mestre Nena. Segundo informações da família, não foram encontradas nem armas ou drogas na localidade. A polícia também disparou um tiro, onde o projétil da bala foi localizado. A família também relata que outras pessoas foram agredidas, entretanto, acharam melhor não fazer a queixa formal, temendo represálias.
De acordo com a advogada Luciana Dantas que está acompanhando o caso, “Todas as providências legais estão sendo tomadas para que os culpados sejam investigados, processados, respeitado o devido processo legal e o contraditório, e punidos por esses atos criminosos e inaceitáveis de uma parcela de policiais”. A advogada destaca que a violência sofrida pelo Mestre Nena e sua família é de um cruel simbolismo com relação ao povo negro e periférico que merece respeito, reparação e, também, justiça e que “nosso Tesouro Vivo cearense foi ferido em seu corpo e coração. não aceitaremos nada menos do que justiça”.
O mestre em Educação e dirigente do Ponto de Cultura Aldeias, Jean Alex destaca que os mestres, em sua maioria, são pessoas idosas, pretas, indígenas, moradores rurais e das periferias. Ele enfatiza que os mestres são o maior patrimônio do Cariri e Brasil por serem livros vivos e marco identidade e resistência cultural. Jean Alex diz que é preciso exigir respeito, atenção e justiça para o mestre Nena, tesouro vivo e mestre da cultura no Cariri. O dirigente do Ponto de Cultura chama atenção para os casos de violência policial nas periferias e diz que o Bairro João Cabral, onde aconteceu a truculência policial, ou qual outra área periférica merece tratamento humanizado.
A gestora cultural Dane de Jade, diz que o caso do Mestre Nena não é uma questão isolada e relata que a prática de violência policial contra os grupos de tradição popular é algo corriqueiro na comunidade. Ela enfatiza que o Mestre Nena, chegou ao local para tomar conhecimento sobre o seu filho que já tinha sido agredido pela Polícia e não foi escutado pelos militares que responderam na “tapa”. Ela relata a condição do Mestre que é uma pessoa idosa e tem uma saúde fragilizada. Recentemente o Mestre foi convidado pela gestora para ministrar aula no curso Especialização de Arqueologia Social Inclusiva. Dane caracteriza a ação policial como truculenta e revoltante e acrescenta que é preciso punir os agressores.
Diversas organizações, pontos de cultura, movimentos sociais e órgãos públicos estão emitindo notas de repúdio e prestando solidariedade ao Mestre Nena e sua família.
Comunicado da SECULT/CE
A Secretaria de Cultura do Estado do Ceará emitiu comunicado com o seguinte teor: A Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult Ceará) e a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) estão cientes da ocorrência de uma abordagem policial, no último sábado (21), em Juazeiro do Norte, envolvendo o Mestre Nena, Tesouro Vivo do Ceará, mestre do único grupo de Bacamarteiros do Ceará. As duas secretarias estão acompanhando a investigação e, diante dos fatos esclarecidos, serão tomadas as providências cabíveis.
Quem é Mestre Nena?
Mestre Nena nasceu em 1951, no Sítio Malhada, município do Crato, e conta com uma atuação de mais de 50 anos na cultura popular, sendo especificamente 16 anos envolvido diretamente na arte e manutenção das atividades do grupo Bacamarteiros da Paz. O pequeno Francisco Gomes, ainda aos 12 anos, começou a brincar no reisado de congo do Mestre Moisés Ricardo. Ainda jovem, visitou terreiros como o de Mestre Aldenir e se quedou na Folia de Reis, onde, com 18 anos, criou seu próprio reisado, no Sítio Altos, junto com os amigos Chicô e Decir. Já em Juazeiro, brincou com Mestra Margarida, Mestre Bigode, Luís, Mestre Sebastião e com o Carroça de Mamulengos na sede da União dos Artistas da Terra da Mãe de Deus, mestras, mestras e grupos que contribuíram com a sua entronização e permanência nas tradições populares do Cariri.
Bacamarteiro da Paz
O Grupo de manifestação folclórica e cultural Bacamarteiro da Paz, foi criado em 2006 na Cidade de Juazeiro do Norte, Foi formado a partir do trabalho da União dos Artistas da Terra da Mãe de Deus, onde se configuram como uma das mais originais e tradicionais manifestações do folclore nordestino. São guiados pelo Mestre Nena, que também é palhaço Mateus e brincador antigo dessa manifestação. Tradicionalmente é uma dança masculina, embora hoje em dia possa se ver a participação de mulheres e crianças. Como todos os grupos de tradição, os Bacamarteiros também buscaram uma linguagem própria para a elaboração das roupas, usando elementos naturais, como sementes e palha, foram feitos os chapéus e as sandálias. As músicas são puxadas pelo “comandante” que ”tira” versos de improviso, que são respondido ao som de tiros de bacamartes, este folguedo genuinamente brasileiro, surgiu como uma forma de comemorar o retorno dos soldados que lutaram na Guerra do Paraguai 1864, usado para saudar o retorno do exército. Os atiradores de bacamarte estão sob a direção de um comandante. Durante as apresentações, eles disparam suas armas, munidas de pólvora seca. Mas é em ritmo de forró que começa a apresentação. Cantando e dançando, os bacamarteiros se preparam para as “batalhas”.