Câncer, Netuno e a necessidade de fazer da mente um lar 

“Já que sou, o jeito é ser.”

Quando li A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, pela primeira vez, fui tomada por um súbito susto. O susto de me identificar com o medíocre e o incomparável da humanidade. Macabéa, personagem principal da novela, foi a persona que me veio à cabeça quando comecei a pensar em escrever sobre Netuno.

Gosto muito da astrologia que descentraliza o foco do banal e se volta ao que raramente recebe holofotes. Talvez isso venha do Netuno em Aquário no meu mapa — que se expressa bem quando dá atenção aos esquecidos e vulneráveis. É assim que posso começar a explicar: Netuno é aquilo que mal se vê, mas nunca deixa de estar. É o planeta mais distante do Sol no nosso sistema solar, o mais próximo das sombras. Um fenômeno em nossas vidas que ganha força quando a gente não está com vontade de ser quem é. Ou seja: “já que é, o jeito é ser.”

Mas não como um ultimato — algo imutável ou que precise ser aceito sem questionamento. E sim como uma força que nos obriga a encarar aquilo que evitamos constantemente — e que, quando finalmente recebe a atenção necessária, se revela capaz de nos moldar até no modo como respiramos.

Tenho um carinho por Netuno porque ele é apegado ao tempo. Demora cerca de 160 anos para dar uma volta completa ao redor do Sol, o que significa que passa, em média, de 13 a 15 anos em cada signo. E quando muda de signo, faz barulho.

Este ano, a transição foi forte: Netuno deixou Peixes — o último signo do zodíaco — no início do ano, entrou em Áries por alguns dias e logo ficou retrógrado. Isso quer dizer que ainda está se despedindo do lugar onde permaneceu pelos últimos 14 anos. No momento, ele está retrógrado em Peixes, e só entra oficialmente em Áries no início de 2026.

Essa mudança trará uma reviravolta necessária no inconsciente coletivo. Netuno rege o “pré-pensamento”: a fala em construção, a ideia que ainda não virou palavra, o quadro que ainda não foi pintado, o roteiro do filme apenas sonhado. Em Peixes, ele é a pré-produção. Em Áries, começará a trabalhar junto com a materialização do pensamento — é o início da ação. A imaginação ganhando forma. A vontade aprendendo a andar.

Os planetas com menos visibilidade são os planetas coletivos — aqueles que, apesar de agirem em cada mapa individualmente, carregam marcas de toda uma geração. Atualmente, Netuno está em fragilidade — não necessariamente por razões astrológicas, mas principalmente por questões sociais. Quem se interessa pelo assunto sabe: astrologia e sociedade não se separam, afinal, tudo é social.

Vivemos uma época em que tudo é rápido, instantâneo. Quase não temos tempo — ou disposição — para tentar ver as coisas além de um único plano. Quando a única cena que vemos está em uma tela, dificilmente conseguimos identificar as sublimes respostas de Netuno na nossa vida.

É assustador para mim pensar que o subjetivo está perdendo espaço na rotina. Particularmente, me vejo na necessidade de lembrar, quase como uma demanda, que é preciso dar espaço para simplesmente existir e estar — sem estar produzindo, resolvendo, questionando.

Netuno é o salvador dos artistas. Tudo aquilo que não sabemos dizer, expressamos em arte — é Netuno se manifestando na nossa vida, é o planeta mostrando que somos muito mais do que apenas nosso signo solar.

Netuno é a salvação. Porque, se cada pessoa estivesse disposta a revisar o que a própria mente diz, em vez de apontar aquilo que é, na verdade, um espelho pessoal, quem sabe a realidade estivesse menos caótica e superficial.

Agora que a primeira metade do ano passou, sentimos uma mudança que não é barulhenta como a de um réveillon tradicional. É mais silenciosa, quase primaveril. Ao invés de fogos e da ansiedade por um novo ano, a virada de junho para julho é interna. Se conversarmos com nosso Netuno durante o próximo período canceriano, é provável que façamos revoluções dentro de nós mesmos.

Que saibamos silenciar o barulho do mundo por instantes, para ouvir Netuno sussurrar aquilo que ainda não conseguimos nomear.

Maria Moreira

Jornalista Graduada pela UFCA/CE, Assessora de imprensa da Prefeitura de Juazeiro do Norte, redatora.

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