Uma bolsa de palha pode levar horas ou até dias para ser feita por mãos habilidosas. Ainda assim, versões industrializadas surgem em ritmo frenético nas vitrines da moda rápida. Entre a pressa da indústria e a paciência do artesanato, existe uma disputa silenciosa que revela muito mais do que estilo, fala de identidade, memória e resistência cultural.
Técnicas como bordado, crochê ou trançado com fibras naturais frequentemente passam por um processo conhecido como “canibalização do produto”. O termo se refere às peças industrializadas que imitam a aparência artesanal, mas sem o tempo, a paciência e o simbolismo que caracterizam o trabalho manual.
Mas o artesanato aplicado à moda vai além da estética. Ele carrega histórias, saberes, tradições e identidades coletivas. Ao mesmo tempo, esse mesmo fazer é muitas vezes apropriado, industrializado e comercializado pelo mercado da moda, que transforma o que é singular em produto de massa.
“Para produzir uma bolsa de palha de milho, passo em torno de quatro horas. Mas a produção não se resume ao fazer, é preciso separar as palhas, selecionar, preparar. Quem está começando pode levar cinco dias ou mais para concluir uma peça”, explica a artesã Célia Freitas.

Esse tempo de produção mais lento é justamente o que torna cada peça única. Elas não são apenas objetos, mas sim narrativas costuradas por mãos humanas que carregam vida, histórias e identidade. Célia, por exemplo, começou seu ofício aos 15 anos e, hoje, com 33 anos de experiência, ensina outras mulheres em Juazeiro do Norte a perpetuarem esse saber. Assim, o artesanato só se mantém vivo quando há pessoas nas etapas do fazer.
Enquanto a urgência da moda rápida transforma o modo como consumimos, o fazer manual resiste, mesmo diante da produção massificada. Como aponta o artigo “Os desafios da gestão no artesanato e suas contribuições para o desenvolvimento local e regional”, de Junio Santos, Jaqueline Santos, Mariana Santos e Erondina Meira, o modelo de produção em larga escala nem sempre é compatível com o trabalho dos artesãos, já que tende a eliminar a individualidade e o significado de cada peça, que carrega os traços do lugar e da cultura em que foi feita.
Ainda segundo o estudo, no Brasil o artesanato é uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento humano, cultural, social e econômico. Ele fortalece a identidade de comunidades, preserva o patrimônio cultural e mantém vivas as práticas tradicionais por meio do cotidiano.
Peças feitas manualmente são mais do que objetos de consumo, são fragmentos de uma memória coletiva, tecidos a cada ponto de bordado, nó de crochê ou fibra trançada. Talvez por isso, grandes marcas internacionais vêm incorporando técnicas artesanais brasileiras em suas coleções. Seja pela estética diferenciada, seja pela narrativa de autenticidade, que o mercado global tanto valoriza.
Mas é preciso lembrar que, além da tendência, o artesanato é um patrimônio cultural vivo. Reconhecer seu valor não é apenas uma estratégia de mercado, é um ato de respeito, de preservação e de continuidade. Porque, no fim das contas, são as mãos de quem cria que mantêm viva e humana as peças, como também, nós que a utilizamos e criamos memória quando vestimos que tantas vezes, nem percebemos.
Klébia Souza
Jornalista e assessora de imprensa, sou discente da pós-graduação em Comunicação de Moda e autora do livro "Ziguezague com Linda: costura, memória, afetos".